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O país é o que for seu povo

Nos dias que correm, constantemente somos lembrados que a Educação é importante e, logo depois, vem a observação de que no nosso país as notas que mostramos são bem menos boas do que gostaríamos.‍

Neste artigo procurarei mostrar que, apesar do nosso nível atual ser inaceitável, não é verdade que não tenhamos feito progressos, seja no campo material, seja no conceitual. No campo material, podemos citar avanços como a estruturação de um sistema de financiamento da educação básica (Fundeb), uma política nacional que assegura livros didáticos a todos os alunos (PNLD) e a ampliação da oferta de escolas para abrigar os nossos quase 49 milhões (!) de alunos matriculados de 4 a 17 anos. No campo conceitual, avançamos muito com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dá clareza em relação às aprendizagens a que os alunos têm direito.‍

Os itens com razoável acordo, sem nos atermos à ordem hierárquica, são:

  1. Necessidade da atenção aos professores, seja na sua formação, seja na sua remuneração e nas condições de trabalho para a estrutura do ensino.  
  2. Um sistema de avaliação abrangente e bem calibrado, que possibilite o monitoramento dos resultados por escola.
  3. A expansão das escolas de tempo integral, notadamente daquelas com um currículo integrado e professores de dedicação exclusiva.
  4. Um ensino médio pensado para todos os brasileiros e não só para atender os menos de 20% que irão para a universidade, como hoje ainda acontece.
  5. O aperfeiçoamento da gestão das escolas, com seleção de diretores a partir de critérios técnicos.

Nesses pontos deve haver continuidade e necessitamos da conscientização da sociedade, para demandar sua implantação.

Examinaremos cada item por si:

  1. O fulcro central da educação está na relação professor-aluno. Todo o resto é acessório, mais ou menos importante, mas acessório. Portanto é da maior importância a formação do professor, seja no conteúdo, seja na habilidade didática para ensinar esse conteúdo de forma que o aluno o aprenda. Temos aqui um trabalho enorme pela frente: a valorização da carreira do professor. Quem a procura? São os melhores alunos do ensino médio? São as maiores notas do Enem? Não, a profissão professor não é concorrida e com isso a nota de corte para entrar nos cursos de pedagogia é das mais baixas, portanto não são os estudantes com melhores notas que se encaminham para a docência. Mas, e uma vez no curso? Também aí uma decepção. A formação universitária favorece o estudo teórico, deixando para segundo plano a prática da sala de aula.

    Temos então uma dupla deficiência: no preparo com o qual os futuros professores entram nas respectivas faculdades e no ensino que lá recebem. Uma razão para essa situação de desprestígio certamente é a remuneração e o plano de carreira. No que concerne à compensação financeira, criou-se uma situação difícil: há um sentimento claro de que um reajuste deve ser feito. Ocorre que o problema é antigo, criado por dificuldades orçamentárias do Estado e pela falta de uma política salarial condizente com a importância da profissão de professor.

    O fulcro da educação está na relação entre professor e aluno. O resto, mais ou menos importante, é acessório.

    O corpo docente, ao longo do tempo, reagiu negociando alternativas, vantagens para compensar essa falha. Um sem número de disposições foram criadas: faltas abonadas para compensar as perdas salariais, aposentadorias diferenciadas, escolha do local de trabalho atendendo a conveniências outras que não as da aprendizagem dos alunos e daí por diante. Infelizmente quase todas as medidas encontradas não atendem às necessidades do ensino e apenas visam compensar a deficiência salarial.
  2. A batalha da avaliação é um ponto vencido. Temos já boas avaliações. O importante neste passo é a reflexão sobre o resultado das avaliações para criar incentivos a acertos e correção para erros.
  3. A escola de tempo integral também é um item que está ganhando consenso geral da sua importância. Há grandes vantagens: em primeiro lugar, na maioria dos Estados em que foram implantadas, as escolas de tempo integral foram acompanhadas por um aumento real no salário dos professores. Segundo, possibilitam que o professor se dedique a um único local de trabalho, evitando a correria entre dois ou mais empregos. Isso diminui o problema das faltas e também soluciona a questão de tempo e lugar para as aulas de recuperação.

    Em 2017 o Ministério da Educação lançou um programa de incentivo à implantação de escolas de tempo integral que teve adesão de todos os Estados. Além disso, o Sr. Marcos Magalhães, de Pernambuco, criou um modelo que dá interessante formulação para as atividades nas escolas de tempo integral, com resultados excelentes de desempenho dos alunos. Esse modelo e seus princípios já foram adotados em cerca de 55% da rede de ensino médio de Pernambuco, em mais de 360 escolas de tempo integral em São Paulo (as PEIs), e está sendo implantado em vários Estados da federação.
  4. O ensino médio está em fase de adaptação. O governo reconheceu (o que na maioria dos países já existe) a importância de que o aluno aos 17 anos, ao terminar o ensino médio, além ou ao lado do preparo para carreira universitária, tenha a opção de preparo profissional à sua escolha. Como o ensino médio é competência dos Estados, as nossas Secretarias Estaduais de Educação estão atualmente aguardando a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio para adaptarem os seus currículos de tal forma a poder oferecer aos alunos aulas de formação profissional, além da formação acadêmica, como já ocorre hoje. Espera-se com isso proporcionar aos jovens uma melhor condição para se organizarem para dar sequência à vida pós ensino médio - seja para que possam trabalhar, seja para continuar estudando.
     
  5. No Estado de São Paulo foram promovidos concursos para diretores de escolas no segundo semestre do ano passado, nos quais foram exigidos conhecimentos técnicos de gestão, necessários à função de dirigir uma escola. Os aprovados terão três anos de estágio probatório, durante o qual receberão supervisão e um curso de formação, após o que, tendo bons resultados, assumirão uma escola. Infelizmente isso ainda não é uma realidade em vários Estados onde o diretor pode ser indicado, inclusive por motivos políticos. A importância desse item decorre de que, além de outros benefícios, espera-se que de uma boa escolha dos diretores decorra uma boa gestão. Agora o que falta é: fazer acontecer!

Um país é o que for o seu povo. Diante dessa realidade deveríamos retomar um conceito um pouco fora de moda pelo mau uso que dele foi feito: a ideia do patriotismo. Não há porque aceitarmos o 63º lugar no Pisa (2015), depois da Indonésia e Albânia entre outros. É nossa tarefa de brasileiros darmos aos nossos concidadãos o instrumental necessário para juntos levarmos o Brasil ao seu bom destino.

Esses são os pontos que chamei, no início deste artigo, de "pontos onde há um razoável consenso" e os quais deveremos estudar, aprofundar e desenvolver. Dar continuidade a eles é imperativo!

Isso feito poderemos esperar uma melhora substancial nos índices de medições dos nossos alunos. Evidentemente cada um dos itens acima se subdivide em inúmeras partes e detalhes. É trabalho que requer muita persistência, dedicação e consequência.

* Fernão Bracher, fundador do Itaú BBA. É presidente do Conselho do Instituto Acaia, membro do Conselho do Todos pela Educação (TPE) e do Parceiros da Educação e ex-presidente do Itaú BBA.

Artigo publicado no Valor Econômico em 18/06/2018.