Acontece

Rio Grande do Sul promove processo seletivo inédito com reserva de vagas em cursos técnicos

Mundo da EPT

Edital de seleção da rede estadual reserva mais de 3 mil vagas para ações afirmativas. Oportunidades são para candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI) e pessoas com deficiência (PCD)

A Superintendência da Educação Profissional (Suepro), da Secretaria de Estado da Educação(Seduc) do Rio Grande do Sul, realizou em junho e julho de 2025 o primeiro processo seletivo para cursos técnicos de nível médio da rede estadual com reserva de vagas para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas (PPI) e pessoas com deficiência (PCD).

Das 9.369 vagas ofertadas para 41 cursos técnicos, nas modalidades concomitante e subsequente, 32,33% - ou seja, 3.029 - foram para a reserva de vagas, sendo 2.125 vagas destinadas a PPIs e 904 vagas, a PCDs. A política é parte do Programa de Educação Antirracista da Seduc-RS, criado em 2022, que engloba diversas frentes e ações para aumentar a inclusão, a diversidade e a equidade na rede estadual, cuja elaboração contou com a parceria de diferentes organizações da sociedade civil.

As reservas de vagas do estado para os cursos técnicos estão respaldadas por dois instrumentos legais. A Lei no 16.089, de janeiro de 2024, institui a Política Estadual de Educação Profissional e Técnica do Estado do Rio Grande do Sul e, em seu artigo 7, prevê a reserva de vagas para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas e para pessoas com deficiência. E o decreto no 58.232, de junho de 2025, que regulamenta a reserva de vagas de forma detalhada.

Juntas, as duas legislações configuram uma política de Estado que contribui para ampliar o acesso ao ensino técnico para grupos historicamente marginalizados. Pelo decreto, a definição do número de vagas reservadas obedece à proporção de PPIs e PDCs na população do estado, conforme o censo demográfico mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A criação da política exigiu várias medidas sucessivas até ser colocada em prática pela Superintendência da Educação Profissional. Um ponto de partida foi a pesquisa diagnóstica, realizada em 2023, com o apoio do Itaú Educação e Trabalho (IET), que mostrou uma sub-representação de mulheres e de pretos e pardos nos cursos técnicos da rede e uma necessidade de democratizar a oferta. Diante disso, foi criada uma comissão especial de ações afirmativas da EPT, formada por sete servidores, sendo três da Suepro e quatro de outras subsecretarias (três da Subsecretaria de Desenvolvimento da Educação e uma da Subsecretaria de Governança e Gestão da Rede Escolar).

Diálogos da comissão com especialistas do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), que já adotam esse tipo de política, foram importantes para o desenho das ações. Além disso, foi promovida uma formação inicial em políticas afirmativas para todos os servidores da Suepro, conduzida pelo Núcleo de Políticas Educacionais para Equidade, que está à frente do programa antirracista estadual.

Pela primeira vez, foi realizado um edital totalmente unificado para as inscrições nos cursos técnicos da rede, promovido pela Suepro. Anteriormente, cada escola conduzia seu processo seletivo de forma independente, com seus próprios editais. Essa transição para um modelo centralizado exigiu a reestruturação completa do site de matrículas (https://escola.rs.gov.br/matriculas) e a adição de um campo específico na ficha de inscrição que permite que o estudante opte pela reserva de vagas no momento do preenchimento.

“Foi um grande desafio adequar ao processo de ingresso dos estudantes já estabelecido há anos na rede estadual os elementos da reserva de vagas, que precisam ser encaixados nos seus devidos tempos e com todo o esforço dos servidores”, relata Tomás Marques de Hollanda Collier, superintendente da Educação Profissional. Segundo ele, durante o processo, a equipe aprendeu bastante sobre seus próprios processos internos e sobre os pontos a serem melhorados.

De acordo com Lúcia Félix, presidente da comissão especial de ações afirmativas da EPT na Suepro, foi desafiador mudar o processo de matrículas diante de uma estrutura já há muito tempo consolidada na rede. “O diálogo e a troca de conhecimento com as outras subsecretarias e a formação no tema para nossa equipe foram fundamentais”, relata.

Para aferir as autodeclarações dos candidatos, a Suepro criou 15 bancas de heteroidentificação, cada uma composta por três servidores titulares e um servidor suplente (proveniente da Seduc, de coordenadorias regionais ou de escolas), totalizando 60 membros. Eles foram previamente capacitados no tema com ajuda dos profissionais da IFRS e da UERGS e, durante três dias, foram responsáveis por realizar a aferição fenotípica dos jovens candidatos. Essa avaliação analisa as características físicas observáveis do candidato (cor da pele, cabelo, formato do rosto, entre outras), não contemplando nem o histórico do aluno, nem o histórico familiar.

Como parte do processo, a Suepro adquiriu e distribuiu nas coordenadorias regionais de ensino 114 webcams padronizadas para a realização das bancas. Na data combinada, o candidato vai à escola, e a comissão de heteroidentificação, situada em uma regional, realiza uma chamada de vídeo para o estudante e faz a aferição. Está reservado também um período para recursos, que os estudantes podem interpor, caso sua inscrição seja indeferida pela banca. Esses recursos serão avaliados por uma comissão especial de ações afirmativas composta por servidores da Seduc.

“Construímos uma política bem robusta de reserva de vagas para que os jovens se interessem, e a gente tenha cada vez mais diversidade nos nossos cursos técnicos, com pessoas historicamente excluídas acessando a educação profissional e, por meio dela, construindo uma carreira, entrando no mundo do trabalho e na universidade”, analisa Tomás.

Na visão de Pedro Alcantara, coordenador de implementação do Itaú Educação e Trabalho, a garantia de vagas para determinados grupos é um mecanismo relevante para reduzir as desigualdades no acesso à EPT. “A iniciativa do RS é pioneira ao reservar vagas por lei para o ensino técnico porque garante o acesso e democratiza a educação profissional, beneficiando não só o público-alvo, mas também os próprios cursos com turmas mais plurais, diversas e potentes”, avalia.